Pode ser considerada uma verdadeira história de cinema a importação, em 1952, de gado Sindi diretamente do Paquistão. O autor da façanha foi o diretor do Instituto Agronômico do Norte (IAN), Felisberto de Camargo, que trouxe consigo, num avião cargueiro inglês fretado, 31 animais da raça, sendo 28 fêmeas e três reprodutores.
A empreitada, que foi chamada por alguns de excêntrica, e por outros de audaciosa, tinha o objetivo de estabelecer na sede do IAN, em Belterra (PA), um centro de pesquisa da raça Sindi. O plano era, primeiramente, fazer da região amazônica um local autossuficiente em leite e manteiga e, depois, o Nordeste.
Após uma série de articulações junto ao Ministério da Agricultura, ao Itamarati, aos amigos e outros meios, Felisberto de Camargo partiu até a região de Karachi, estado de Sind, no Paquistão, para buscar a genética bovina que ele pretendia disseminar no Brasil.
A compra desse lote de animais mais parece uma história das minas do Rei Salomão. Segundo relato do próprio diretor do IAN, reproduzido no livro “Sindi, o gado vermelho para o Semiárido”, moedas milenares, mercados de antiguidades e negociações diplomáticas nortearam a compra e o embarque dos bovinos sagrados.
Foi aí que entraram os EUA, o Governo Federal e outros departamentos: todos eram contra a inserção dos animais na Amazônia. Até que se concretizasse o desejo de Camargo, a Ilha de Fernando de Noronha serviu de porto improvisado para a quarentena do seu gado.
Diz um trecho de “Sindi, o gado vermelho…” (em reprodução de uma reportagem publicada na revista “O Cruzeiro”):
“Meteu, então, o Diretor do Instituto Agronômico do Norte, mãos à obra, para trazer 31 cabeças de gado zebu, de Karachi a Belém, por via área. Já pensaram o que isto representa? Companhia após companhia ouvia Camargo, controlava os mapas, espichava os olhos no tamanho dos oceanos e no estirão do Saara e, depois, dizia não. A única que aceitou foi a Eagle Aviation, que tem especialização nessa espécie de transportes, cobrando quarenta contos de passagem, o que não foi caro, pois o enorme avião teve de ser completamente remodelado no seu interior, atapetado e reforçado para suportar a carga”.
Em 1954, depois de uma longa estadia na ilha, o lote, que já era de 50 animais (reprodutores, matrizes e crias), segue uma parcela para Belterra e, anos depois, outra para a Ilha de Marajó (onde o rebanho será extinto). No entanto, algumas fêmeas seriam doadas para a Esalq, em Piracicaba. Lá, foram desenvolvidas várias pesquisas, bem como a difusão da raça entre os criatórios do Estado de São Paulo.
Sertãozinho, Nova Odessa e Ribeirão Preto, foram alguns dos núcleos onde se trabalhou o gado sindi com finalidade leiteira, na década de 50. Com a intensificação do rebanho zebuíno, o Departamento da Produção Animal da Secretaria Estadual de Agricultura resolveu firmar, em 1956, uma parceria com o criador José Cezário de Castilho, propondo o cruzamento de seu rebanho (linhagem de 1930) com a do órgão governamental (linhagem de 1952).
Terras férteis, manejo adequado e boas condições sanitárias, fizeram desse plantel um conjunto de alto nível em se tratando do gado sindi, inclusive se comparado ao do próprio Paquistão.
Por mais de cinco anos a Fazenda de Gado Nacional, em Nova Odessa, forneceu reprodutores e filhos de touros importados, através de seus leilões. Em 1963, o gado sindi é transferido para a Estação Experimental de Zootecnia de Ribeirão Preto, que também intensifica a exploração do potencial leiteiro da raça.
No entanto, dez anos depois, as pesquisas com o gado vermelho indo-paquistanês no instituto são desativadas. O rebanho é novamente transferido, desta vez para a cidade de Colina, onde será vendido e relegado ao abandono -data de 1974 o encerramento de pedidos de registros junto à ABCZ.
Quando todos davam por perdida a criação do sindi no Brasil eis que volta à cena o paulista José Cezário de Castilho (único criador que insistiu no registro do rebanho). Numa parceria com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em 1980, Castilho dispo-nibilizou animais para serem avaliados na ocupação do semi-árido nordestino, especificamente na região de Patos.
Em seguida, a Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (Emepa) levou as melhores fêmeas (12) e machos (2) de Colina para o sertão paraibano. Empolgada, a Emepa ainda recebeu, em 1988, mais quatro repro-dutores, 30 matrizes e quatro crias, descendentes diretos da importação de 1952, que pertenciam ao Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido (CPATU), da Embrapa, no Pará.
De ambos os núcleos, o gado sindi foi partindo para outros estados como Pernambuco e Alagoas. Sendo assim, a década de 90 foi marcada pela ascensão de cria-tórios de sindi em todo o país e, conseqüentemente, por pedidos para retomar a execução dos serviços de registro genealógico da raça.
Durante dez anos, criadores, a ABCZ e o Mapa, discutiram, avaliaram e reavaliaram os documentos pertencentes aos centros oficiais de pesquisa, que alegavam ser a raça totalmente apropriada para a produção de leite no semi-árido nordestino.
Além disso, esse período foi reservado para a apresentação de uma nova reivindicação dos criadores de sindi: o reconhecimento de uma variedade mocha na raça. O documento, de autoria do zootecnista e professor Alberto Alves Santiago, foi encaminhado, em 1999, para a ABCZ.
Em 2001, a aprovação do registro genealógico dos animais da Emepa e da Embrapa-CPTAU, por parte do Ministério da Agricultura, através de seu Departamento de Fiscalização e Fomento da Produção Animal, concretizou mais uma vitória para a zebuinocultura brasileira.
Agora, a raça Sindi, além de retornar ao quadro técnico da ABCZ, encontrou novamente grandes horizontes pela frente. Seja nos criatórios existentes em cidades como Ituverava ou Sales, ambas no interior paulista, ou nos rebanhos do Rio de Janeiro ou do Ceará, o criterioso trabalho técnico que está sendo empregado ao Sindi certamente mostrará que esse gado é uma boa promessa para a produção de leite -até no Rio Grande do Sul, a raça já foi absorvida.
No entanto, é no semi-árido que esse gado, em estado puro, mostra sua nobreza e, principalmente, sua funcionalidade. Não é à toa que, ao ser questionado pelo repórter de “O Mundo Agrário” sobre o motivo da preferência pelo sindi, Felisberto de Camargo respondeu:
“O ‘Red Sindhi’ é um gado de chifres pequenos. Fruto de milhares e milhares de anos. Fruto do trabalho de uma das mais velhas civilizações do mundo. É a raça zebu leiteira mais nobre entre todas as raças bovinas leiteiras que se criaram nas terras áridas da Ásia, através de cinco mil anos. O ‘Red Sindhi’, ou gado vermelho de Sind, é o gado nacional do Paquistão, conservado em estado de relativa pureza, graças à situação de isolamento criada pelos desertos que rodeiam o centro de criação desse rebanho”.